Revista + Vida 28 | Cancro da Mama

A certa altura, durante o tratamento, a Sofia decidiu mostrar-se publicamente de cabeça rapada para combater certos estigmas. Parece-lhe urgente que o cancro – e as suas eventuais sequelas – deixe de ser encarado como um tabu? Eu não decidi mostrar-me de cabeça rapada. No caso, fui quase obrigada. Já o disse publicamente: logo depois de receber a notícia de que estava doente, uma das minhas questões era como iria gerir o facto de a minha doença não ficar só para mim e para os meus. Não fazia ideia! Estava a gravar uma telenovela e sabia que seria quase impossível passar despercebida, uma vez que este tipo de notícias se espalha rápido. Achava que seria uma questão de dias até alguém se cruzar comigo e partilhar com alguém. No momento, só queria tornar-me invisível, mas não era possível e, como previa, poucos dias depois, fiquei a saber que um jornal ia fazer sair a notícia. Foi quando falei publicamente, pela primeira vez, sobre o que me estava a acontecer. Não quis que fossem outros a falar sobre a minha saúde – ou, no caso, sobre a falta dela. Hoje, à distância, olho para trás e agradeço que me tenham “obrigado” a fazê-lo, porque, desde esse momento, compreendi que tudo se torna menos pesado quando é dividido. Referiu, no passado, que, embora tenha sido um momento extremamente difícil, sente que a sua experiência com o cancro a ajudou a evoluir enquanto pessoa. Sem dúvida. De que forma? Eu sou a mesma, mas acredito que com os sentidos e os valores mais apurados. Mais focada no que realmente tem

importância. Menos superficial e mais agradecida à vida e a cada momento. Não há como passar por uma situação-limite e ficar tudo igual. Nunca nada será igual – e, no meu caso, ainda bem, porque tenho para mim que a mudança foi para melhor. Passei a tomar melhores decisões para a minha vida e, consequentemente, para a minha saúde. Procurei adaptar hábitos mais saudáveis, praticar mais exercício físico. Aprendi a ouvir os sinais do meu corpo, a saber parar, desligar e descansar. Ganhei mais confiança em mim, naquilo que vejo, sou e procuro. Costumo dizer que, depois de ter passado pelo que passei, são poucas as coisas que me despenteiam. Penso que quem consegue enfrentar esta doença consegue o que quiser. No fundo, o meu cancro veio para me reorganizar e redirecionar. Veio para eu aprender a gostar mais de mim, dos meus e do que me rodeia. Veio para eu passar a acordar e deitar-me todos os dias grata por mais um dia. Que conselhos deixaria às pessoas que estejam a passar pelo mesmo problema pelo qual a Sofia passou? Que sejam fortes. Acreditem que isto é só uma fase menos boa e vai passar. Por mais difícil que seja – e é, não vamos dizer que não –, tentem não se ir abaixo. Mantenham a alma leve e o sorriso. Não se fechem ou dividam. Agarrem-se às coisas boas que já viveram e que ainda vão viver. Ter cancro não é nem pode ser visto como uma sentença de morte. Cuidem-se. Comam bem, de forma saudável, porque vão precisar de todos os reforços para o caminho que aí virá. Mas sosseguem o coração e foquem-se em ficar bem. Costumo dizer que metade do tratamento de qualquer doença é dos médicos; a outra é nossa e passa por tudo isto que referi. Vários estudos dizem que o negativismo é um péssimo companheiro para ter por perto na vida, muito mais numa fase de recuperação.

UMA PARTILHA SEM FILTROS Em 2018, So�a Ribeiro publicou o livro Con �a , com o objetivo de partilhar a sua experiência pessoal com o cancro da mama com todas as pessoas que enfrentem a mesma situação, como doentes ou cuidadores. “É a partilha ao pormenor e sem �ltros da minha história, que, não querendo parecer pretensiosa, sei que tem ajudado muita gente”, explica a atriz. “Escrevi-o na impossibilidade de responder às centenas e centenas de e-mails e mensagens nas redes sociais que ainda hoje me chegam e aos quais não consigo dar retorno.”

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