Revista + Vida 28 | Cancro da Mama

D o alto dos seus 95 anos, António Pires recorda uma vida preenchida e repleta de emoções. Natural de Penalva do Castelo, viveu vários anos nos Estados Unidos e em Moçambique antes de se fixar em definitivo em Portugal. Foi mecânico de automóveis, trabalhou numa fábrica de algodão e abriu uma empresa com a mulher. Tem uma filha, Fátima, que se desfaz em elogios em relação ao pai: “Em casa, é ele que faz a cama. Tanto a dele como a da minha mãe. E fá-la melhor do que eu! Também lava a loiça, varre... Sempre foi assim, muito cuidadoso.” António Pires limita-se a dizer que ajuda “no que pode” e que gosta de ser útil. Para assegurar que, com quase um século de vida, o seu corpo permanece capaz, tem o hábito de fazer pequenas caminhadas. “Meia hora por dia”, esclarece. “Gosto de caminhar. Já o faço há muito tempo.” Fátima acrescenta que há outra coisa importante que o seu pai faz: “Ouve o que os médicos lhe dizem. Cuida-se muito. Tenta resolver de imediato o mínimo problema que lhe apareça no corpo. E se o médico lhe disser, por exemplo, para não comer isto ou aquilo, ele não come!” Não obstante, nos últimos anos, António Pires começou a sentir-se cada vez mais cansado, mesmo quando não tinha uma razão aparente para isso. Depois de ser examinado, descobriu que tinha uma insuficiência cardíaca avançada – resultado do enfraquecimento natural do músculo cardíaco, acrescido por um enfarte anterior e por problemas na válvula aórtica. “Por causa dessa insuficiência cardíaca, o senhor Pires tinha internamentos cardíacos sucessivos, por retenção de líquidos”, explica Luís Ferreira dos Santos, Coordenador de Cardiologia no Hospital CUF Viseu. Felizmente, há solução para estes casos. “Cerca de 10% dos doentes com insuficiência cardíaca são elegíveis para uma cirurgia que prevê a implantação de um dispositivo que auxilia o coração a bater com mais intensidade: a terapia de ressincronização cardíaca (CRT)”, continua o médico. “É uma evolução do tradicional pacemaker – na verdade, pode dizer-se que é um pacemaker com um ressincronizador – mas, neste caso, inserimos um elétrodo no ventrículo direito e outro no esquerdo para devolver alguma sincronia ao coração.”

Do ponto de vista de casos de sucesso, Luís Ferreira dos Santos acrescenta que 70% dos doentes melhoram após o implante, salientando contudo que, a taxa de implantes não chega ainda aos 10%, o que significa que continuam a existir muitos doentes por tratar que poderiam beneficiar do CRT. No caso específico de António Pires, havia ainda outro ponto importante a ter em conta: a sua idade avançada, que representava um risco acrescido. Apesar disso, depois de tudo lhe ter sido devidamente explicado – bem como à sua família –, António Pires decidiu avançar para a cirurgia. E o resultado não poderia ter sido melhor. Bons genes, mas não só “A cirurgia do senhor Pires foi um sucesso. Teve alta no dia a seguir”, diz Luís Ferreira dos Santos. “É evidente que continua a cansar-se, porque continua a ter mais de 90 anos e uma doença cardíaca grave, mas neste momento a perceção que temos é que está a responder à terapia e que valeu a pena fazer a intervenção.” O médico acredita que uma parte do êxito da intervenção se pode explicar pelos “bons genes” de António Pires, mas realça que, sem o acesso a terapias como o CRT e sem adotar os comportamentos certos, isso não seria suficiente. “O senhor Pires terá de continuar a ter uma alimentação saudável, sem grandes abusos. Sei que também faz umas caminhadas, o que é muito bom. O seu coração estava de tal forma fraco que se cansava estando sentado, mas agora já vem do carro às consultas a caminhar.” António Pires concorda e até dá um exemplo: “Antes, andava 20 ou 30 metros e sentia-me cansado. Hoje, sinto-me melhor e já não tenho de parar depois de andar poucos metros.”

Luís Ferreira dos Santos • Coordenador de Cardiologia no Hospital CUF Viseu

Mas há mais benefícios na intervenção. “O CRT que o senhor Pires colocou é um ressicronizador que também tem a capacidade de desfibrilhação, no caso de haver uma taquicardia grave, e trata das arritmias. E importa referir que 50% dos doentes com insuficiência cardíaca morrem de morte súbita na sequência de arritmia ventricular maligna. Este foi, aliás, um dos argumentos que o levaram a avançar para a intervenção, porque, mesmo que pertencesse à franja dos 30% que não responde à terapia, beneficiaria sempre da parte do desfibrilhador. É por isso que a terapia com CRT diminui em 25% a mortalidade relativa nos doentes com insuficiência cardíaca”, explica o médico, antes de elogiar a atitude de António Pires ao longo de todo o processo: “É muito bem-disposto. Muito ativo. Uma vida muito cheia. Teve pessoas na família que viveram muito tempo e brinca que ainda as quer ultrapassar.” Está no bom caminho.

SABIA QUE...

1 a 2% da população geral

PORTUGAL Estima-se que em existam 380 mil pessoas com insu�ciência cardíaca , o equivalente a:

a percentagem sobe para 6 a 10% Nas pessoas acima dos: 60 anos 80 anos chega a 16%

ANTÓNIO PEDROSA (4SEE)

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