De acordo com a Organização Mundial da Saúde, uma em cada cinco crianças poderá vir a desenvolver uma doença mental. Muitas poderão não ser acompanhadas.
Margarida Crujo • Coordenadora de Pedopsiquiatria no Hospital CUF Descobertas
aparecimento de doenças mentais na população mais vulnerável.” A perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) é uma das patologias mentais associadas à infância que tem recebido mais atenção mediática nos últimos anos. É, por isso, uma das mais conhecidas e diagnosticadas. Trata-se de uma doença cujos sintomas são atenuados com recurso a fármacos. Ao contrário do que é crença comum, a PHDA é crónica. “O que se espera é que, com o tempo, a pessoa ganhe mecanismos para poder controlar melhor os sintomas”, diz Margarida Crujo. Assim, se a criança é acompanhada clinicamente, quando chega à idade adulta existe, em alguns casos, a possibilidade de ter de continuar a ser seguida por um psiquiatra de adultos ou por um neurologista. “A transição depende de quão afetada é a funcionalidade de cada um. Há muitas pessoas que não foram diagnosticadas e que têm um funcionamento dito proveitoso, embora nunca tenham feito tratamento.” As pessoas com PHDA tipicamente fazem muita coisa ao mesmo tempo, mas tendem a não terminar as tarefas. Do ponto de vista físico, a médica refere que tendem a ser pessoas mais “desastradas”, que tropeçam com maior regularidade e são mais propensas a acidentes ou a incorrer em comportamentos de risco. A propósito desta maior propensão para comportamentos de risco, como o consumo de álcool e drogas, um estudo realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em julho de 2021, revelou que, durante o período pandémico, 20% dos inquiridos entre os 15 e os 20 anos admitiram um aumento do consumo de álcool e tabaco, enquanto 11% se iniciaram nos fármacos psicotrópicos. Os problemas de dependência tendem a ser mais frequentes na adolescência e início da idade adulta do que na infância, mas, seja qual for o caso, é importante a abordagem psicoterapêutica, de modo a identificar o que conduziu ao comportamento de risco. “Muitas vezes, a dependência está associada a algumas lacunas emocionais. A droga – como noutras situações acontece com a comida – acaba por equivaler ao ‘tapar’
desse buraco emocional”, explica a Pedopsiquiatra. No tratamento da dependência pode ainda haver recurso à abordagem farmacológica ou à intervenção em grupoterapia. “É algo a que os jovens geralmente aderem bem.” Tal como nas restantes questões abordadas nas consultas de pedopsiquiatria, também aqui existe o envolvimento da família. “Partimos do princípio de que, para mudar as situações de saúde mental, é preciso olhar para o contexto em que a criança se insere. E o contexto mais frequente é a família. Uma das modalidades de intervenção que temos na CUF é a chamada consulta terapêutica, em que também há uma componente de intervenção familiar”, afirma Margarida Crujo. Por sua vez, são igualmente envolvidas outras especialidades, nomeadamente a Pediatria. “O tratamento na CUF distingue-se pelas parcerias que se estabelecem com outras especialidades”, refere Luís Madeira, Coordenador de Psiquiatra no Hospital CUF Descobertas. “Além disso, dispomos de uma consulta de psicologia e de psiquiatria especializadas na adolescência e está prevista a criação, a curto prazo, de grupos para pais e de grupos psicoterapêuticos para adolescentes.” A adolescência é marcada por uma série de mudanças das mais variadas ordens – desde a menarca ao primeiro amor, passando pela entrada na universidade – que não só exigem capacidade de adaptação como podem funcionar como fatores de stresse, por vezes associados a sofrimento psicológico ou surgimento de doença mental. Além do mais, é entre os 18 e os 25 anos que muitas vezes ocorrem os primeiros episódios de doenças psiquiátricas graves. Estes são, por isso, “anos valiosos para o diagnóstico e a intervenção precoces que podem alterar drasticamente o prognóstico de uma doença”. Um diagnóstico de doença mental na adolescência não determina, contudo, que esta se continue a manifestar na idade adulta. “Existe uma enorme plasticidade na saúde mental em qualquer idade, sendo possível a recuperação total, quer sintomática, quer funcional, na
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ANTÓNIO AZEVEDO (4SEE)
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