Licenciada, doutorada e agregada em Medicina pela Universidade de Lisboa BI
a aplicar cada vez mais no futuro – é um caminho que a CUF e outras instituições já começam a explorar: um para organização de cuidados, e outro para medir o impacto desses cuidados. O envelhecimento está também associado a uma maior prevalência das doenças crónicas. É um desafio para a medicina e para a prática clínica? De facto, com o envelhecimento da população, há doenças crónicas que se tornam cada vez mais prevalentes, com um peso muito grande nos idosos mas também noutros doentes, nomeadamente as doenças cardiovasculares, as oncológicas e as mentais – são doenças que acumulam com a idade. Por outro lado, as alterações do próprio sistema imunitário, associadas à idade, fazem com que os idosos sejam um grupo de risco para todas as doenças em que o sistema imunitário é determinante, como as infeciosas e as oncológicas. Além disso, é preciso pensar como os desafios societais e toda a organização da sociedade como a vemos influenciam as doenças mentais, designadamente o humor. Normalmente, associamos as doenças mentais a doenças psiquiátricas como a esquizofrenia, mas refiro-me mesmo ao humor – ansiedade e depressão são mais sintomas do que propriamente doenças. Há muitas pessoas que não estão doentes mas que têm períodos de ansiedade e de depressão. E, nas idades mais avançadas, em que há múltiplas patologias e se tem medo da morte, isso pode acontecer. Há ainda as doenças que não são mentais mas neurológicas, como Parkinson, que é uma doença do movimento, ou as demências, que implicam alterações cognitivas. Em que medida é que a atual pandemia tem influência neste cenário? A infeção por SARS-CoV-2 é uma zoonose, isto é, passou do animal para o Homem, o que mostra bem os problemas que vamos ter na saúde humana se não olharmos para a saúde do ambiente e para a saúde animal como um todo. Cada vez mais, doenças que não eram uma ameaça para o Homem surgem devido a estes desequilíbrios do ecossistema. E maior é o risco de pandemia. É que, por serem muito contagiosas, quando surgem, o corpo humano não tem defesas ou anticorpos. E em situações em que as doenças infeciosas se tornam uma pandemia, como esta, é óbvio que outras
doenças, como as alterações mentais, se agravam: as pessoas estão ansiosas porque estão a sofrer com o confinamento, com a falta de emprego, com a doença. Além disso, devido, por um lado, à sobrecarga dos sistemas de saúde e, por outro, ao receio que as pessoas têm de ser infetadas se forem a uma unidade de saúde, as doenças crónicas, como as cardiovasculares e as oncológicas, começam a ser relegadas para segundo plano quando não o podem ser. Vimos isto no início da pandemia e estamos a voltar a vê-lo. Cada vez que há mais pressão, os recursos estão mobilizados noutro sentido e começam a deixar de haver tempos operatórios, não há ventiladores para o pós-operatório, as pessoas adiam consultas, têm medo de ir às urgências, e isto aumenta o risco de morte. A repercussão é enorme a nível da saúde pública, porque estas doenças não deixaram de existir. É preciso aprender, reorganizar e adaptar os sistemas, e encontrar formas alternativas de não faltar a quem precisa. Esses são os desafios. Mas a pandemia pode ser, de alguma forma, uma oportunidade? O balanço é negativo, claro, mas penso que, quando acontecem estas calamidades, também é uma oportunidade para a sociedade – medicina, academia, empresas, governo – se mobilizar. Organizaram-se parcerias. Medicamentos e vacinas que demoravam 18 anos a chegar ao mercado estão agora disponíveis em dois anos. Fizeram-se teleconsultas. Formações à distância. Há uma oportunidade de inovar mais, de melhorar a investigação, de encontrar soluções alternativas. Em todas as crises se fazem avanços e se dão saltos na inovação. A humanidade é obrigada a isso. É preciso uma estratégia própria para estas doenças do futuro? As zoonoses e as infeções emergentes podem ser doenças do futuro mas, mais do que as definir desta forma, penso que é preciso ter uma visão de futuro das doenças atuais. Abordá-las com os olhos postos no futuro, em busca de soluções inovadoras que possam sustentar os sistemas de saúde e os sistemas sociais. E os hospitais do futuro têm de ter uma estratégia para responder a estes desafios. Só com sistemas ágeis e hospitais modernos e bem equipados, sob a perspetiva de que é preciso adaptarem-se à medida das circunstâncias, é que se consegue responder a estes desafios.
Mestrado em Investigação Clínica pela Harvard Medical School, nos Estados Unidos
Presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia
Professora catedrática de Medicina na Universidade Nova de Lisboa e professora catedrática convidada na Escola Nacional de Saúde Pública
Coordenadora da Unidade do Envelhecimento do Centro Medicina, Prevenção e Envelhecimento do Hospital CUF Tejo
Chefe do Serviço de Reumatologia, CHLC-Hospital Curry Cabral
Coordenadora da Unidade de Investigação FCT Comprehensive Health Research Center
Responsável pela Unidade de Investigação EpiDoC em Epidemiologia e Investigação Clínica do CEDOC (NMS)
+vida | 43
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