Revista + Vida 33 | Cuidados diferenciados transformam vidas

Catarina. Restava perceber a extensão da lesão, que ficou determinada depois de uma ressonância magnética, que confirmou o diagnóstico e mostrou uma massa de seis a sete centímetros junto ao reto. “Era tão grande que mais cedo ou mais tarde poderia provocar uma obstrução intestinal”, conta Catarina. Perante o diagnóstico, foi decidido avançar para a cirurgia, na qual foi realizada a remoção da parte do intestino afetada pelas lesões de endometriose e a reconstrução da vagina. Além da Ginecologia, esta intervenção de elevada complexidade envolveu outras especialidades, tais como a Cirurgia Geral e a Urologia. “A intervenção foi discutida primeiro numa consulta multidisciplinar e depois com a própria doente”, explica Miguel Brito, que compara o trabalho médico colaborativo à atuação “de uma orquestra bem afinada”. “O procedimento é feito totalmente por laparoscopia, uma abordagem minimamente invasiva, e todos os intervenientes são cirurgiões habilitados nessa área. É importante que a equipa multidisciplinar seja dedicada e especializada nesta abordagem à endometriose”, defende o médico. “A possível localização dos focos torna inexequível o tratamento por uma só especialidade. Temos isso em mente desde o início da Unidade de Endometriose, o que explica a taxa de sucesso obtido”, acrescenta Morais e Castro, cirurgião geral no Hospital CUF Viseu, que esteve envolvido no tratamento de Catarina Lopes. Embora seja uma doença de ordem ginecológica, a endometriose pode atingir qualquer órgão da cavidade abdominal – ou mesmo torácica, embora isso seja raro – o que faz com que a Cirurgia Geral colabore frequentemente na resolução dos casos de endometriose profunda, extra-ginecológica, nomeadamente do cólon, reto, intestino delgado e parede abdominal, explica Morais e Castro. No caso de Catarina, atingia toda a parede do reto alto e havia um envolvimento com os restantes órgãos pélvicos, uma situação que “tornou a cirurgia morosa, requerendo delicadeza de gestos” descreve o cirurgião geral. “A região pélvica estava transformada num conglomerado de órgãos cuja separação era absolutamente necessária para se poder levar a cabo uma cirurgia curativa”, recorda Morais e Castro. Depois de recuperar do processo cirúrgico, as melhoras de Catarina foram imediatas. “A primeira fase foi complicada e delicada. Mas, a partir do momento em que a menstruação começou a ser regular, a fase menstrual era super tranquila”, diz a jovem que, depois de realizar fisioterapia pélvica após a cirurgia, começou a praticar natação duas vezes por semana e a ter uma alimentação mais cuidada. No entanto, quando olha para trás, não deixa de ter um “misto de sentimentos” ao analisar o seu percurso. “Fiquei aliviada por ter um diagnóstico e perceber que as dores não eram da minha cabeça ou relacionadas com picos hormonais, como me tinham dito antes. Mas também sinto um bocado de revolta porque o problema já tinha uma série de anos, sempre procurei acompanhamento e nunca tive um diagnóstico preciso, até chegar à CUF”, diz.

Morais e Castro • Cirurgião geral no Hospital CUF Viseu

Entretanto, em março de 2023, Catarina Lopes regressou à consulta de Miguel Brito e recebeu ‘luz verde’ para tentar engravidar. “O Dr. Miguel alertou-nos para o facto de que poderia ser algo que não viesse a acontecer ou que demorasse algum tempo. E não me queria deixar muito tempo sem voltar a medicar para que a doença não voltasse em força”, recorda a agora futura mãe, que quando regressou ao Hospital CUF Viseu, em outubro de 2023, já tinha a certeza de estar grávida. “Não posso dizer que seja um caso único, mas o que o torna especial é o facto de termos removido uma doença que afetava tanto a função sexual como a parte intestinal”, explica Miguel Brito. “A Catarina acabou por engravidar espontaneamente um pouco contra as probabilidades que se conhecem”, refere o médico. “Este caso é demonstrativo de que as cirurgias e os tratamentos devem ser individualizados pela equipa multidisciplinar. Tem de se ter em conta a idade das doentes, o desejo reprodutivo e a extensão da doença”, continua. Neste momento, Catarina está “num estado de graça”, em que a própria gravidez lhe confere proteção contra a endometriose. No entanto, tal como qualquer outra mulher com a doença, não está livre de que esta possa voltar a manifestar-se. Mas Miguel Brito mantém-se otimista. “Não acredito que a Catarina tenha de voltar a ser operada. E este é um ponto importante destas cirurgias: conseguir que a doente seja operada apenas uma vez. Tratamos a doença como se fosse um tumor agressivo na esperança de que ela não volte a ser operada”. Concretizado o sonho de ser mãe, Catarina Lopes olha o futuro com otimismo. As memórias das dores incapacitantes ficaram definitivamente no passado. “Faço uma vida normal e durante a fase em que estava a tentar engravidar continuava sem dores, o que era muito bom”.

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CARLOS TELES (4SEE)

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